sábado, 7 de agosto de 2010

Saiba quem é o líder evangélico Marcos Pereira da Silva

PASTOR DE OVELHAS NEGRAS

Saiba quem é o líder evangélico Marcos Pereira da Silva e como ele virou o guia espiritual dos bandidos mais afamados do Rio

Publicada




Karla Monteiro - O Globo

Pastor Marcos em presídio. Foto de Marizilda Cruppe

RIO - Aconteceu numa noite de quarta-feira, dia 23 de janeiro, numa das favelas mais violentas do Rio. Na pracinha da comunidade, crianças, casais e traficantes armados dividem o mesmo carrinho de churrasco. O dono da boca-de-fumo, paramentado com um fuzil ornado com detalhes em prata, recebe cheio de honra a comitiva do pastor Marcos Pereira da Silva, fundador da Assembléia de Deus dos Últimos Dias.

O bandido de 29 anos e olhos assustados, que exibe com orgulho um pesado cordão de ouro com um pingente onde se lê "Jesus", dá as boas-vindas ao "homem de Deus". O pastor não perde a deixa. Diz ao seu anfitrião, em tom de brincadeira e intimidade, que o nome sagrado não combina com armas nem com os cinco anelões espalhafatosos que decoram a mão direita do chefe do morro.

Conversa vai, conversa vem, o traficante revela que seus soldados haviam capturado um suspeito de estupro na favela. O pastor, então, começa a sua ladainha. Sempre em nome de Jesus. Em pouco tempo, ele consegue convencer o chefe a entregar o refém, então condenado à morte pelas leis do tráfico. Meia hora depois, um carro vinho estaciona, alguns garotos abrem o porta-malas e arrancam de lá um rapaz com a cabeça coberta de sangue.

O pastor enfia o suposto estuprador no seu carro e convoca toda a bandidagem para uma oração. Sem depor o armamento de guerra, a rapaziada faz uma roda e, de mãos dadas com o exército de evangélicos, grita um convincente "Glória a Deus!".

- Para mim, não importa a facção. Todos os traficantes do Rio me respeitam. Eu não defendo o Evangelho, eu defendo o ser humano. Aos poucos, estou conseguindo acabar com a pena de morte nas favelas - orgulha-se o pastor Marcos, como é chamado. - Já tirei muita gente da morte e também já recuperei muito bandido. Há quase 20 anos visito presídios, vou a bocas-de-fumo e levo a "Palavra" para esses meninos. Quando resgato um condenado pelas leis do tráfico, eu o levo para a minha igreja.

Veja fotos do trabalho do pastor

Ouça trechos de entrevistas com o religioso

Engolindo todos os plurais, evocando passagens bíblicas para justificar cada ato e esbanjando bom humor, o polêmico pastor Marcos virou o guia espiritual dos bandidos mais afamados do estado. Marcinho VP, preso em Catanduva, no Paraná, é uma de suas ovelhas. Segundo a irmã dele, Silvana dos Santos Silva, que largou o crime para engrossar as fileiras da Assembléia de Deus dos Últimos Dias, Marcinho abaixa a cabeça para ouvir sermões do líder e leu a Bíblia duas vezes. O traficante Uê morreu convertido pelo pastor, em 2001, em Bangu I. Outro que se diz "resgatado" é Washington Rimas, o Feijão de Acari, preso em 2006, na Bahia. A primeira visita que recebeu na cadeia foi do pastor. Quando deixou a prisão, começou a arquitetar a retomada do seu posto, mas recebeu uma nova visita do evangélico e desistiu. Passou três meses sob o teto da igreja e hoje trabalha no Afroreggae. Entre outras coisas, dá palestras para crianças de favelas contando as agruras da vida do crime.

- Conheci o pastor Marcos em 2000. Ele aparecia de madrugada na boca para evangelizar. Eu botava o fuzil nas costas e corria. Quando saí da cadeia, ele me chamou para morar na casa dele. Lá conheci o Júnior, coordenador do Afroreggae - conta. - A aproximação dele é com respeito e sinceridade. Nunca pede e nem aceita um tostão de traficantes.

O pastor conta que sustenta a sua igreja com dízimos e CDs. Juntos, os três cantores da congregação já venderam cerca de 500 mil cópias. Respeitado e temido pelos chefes - e ex-chefes - das favelas do Rio, o pastor de ovelhas negras é visto com desconfiança pela polícia, que há tempos investiga a sua suposta conivência com o crime organizado. Segundo ele, é comum aparecer na igreja um agente do Bope disfarçado de evangélico. O pastor é citado num dossiê da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) sobre o movimento de dinheiro da principal facção criminosa do Rio.

Em meados da década de 90, ele ficou na mira da polícia por quase dois anos. A então inspetora e hoje deputada federal Marina Maggessi (PPS-RJ) é quem conta essa história. Segundo ela, a polícia estava na cola de Marcinho VP. Como o pastor já era próximo do traficante e tinha arrebanhado a sua irmã, foi pedida uma ampla investigação, com direito a escuta telefônica e detetives seguindo fiéis da igreja.

Pastor conversa com traficantes e Júnior, do AfroReggae. Foto de Marizilda CruppeDe acordo com Marina, nada ficou comprovado. Em 2004, ela assumiu a Polinter, desativada em 2006, onde 1.800 presos ocupavam um espaço para 400 pessoas. No primeiro dia, a nova diretora resolveu reunir os presos e ouvir suas reivindicações. Eles pediram três coisas: água limpa para beber, ventiladores e a presença semanal do pastor Marcos.

- Foi inédito: presos das diferentes facções sentaram-se juntos no pátio da cadeia e choraram copiosamente no primeiro culto. Passei a permitir a entrada do pastor toda semana. Consegui segurar a Polinter sem rebeliões por um ano e dois meses graças a ele - reconhece Marina. - Foi a única opção que vi nos presídios nos meus 18 anos de polícia.

A maior façanha do pastor aconteceu em 31 de maio de 2004. Naquele dia, ele saiu de São João de Meriti, na Baixada Fluminense, onde nasceu e mantém o seu QG, de helicóptero. O então secretário de Segurança Anthony Garotinho - também evangélico - mandou buscá-lo para intermediar uma das maiores rebeliões já vividas no estado.

A Casa de Custódia de Benfica estava nas mãos dos presos havia três dias, e 34 pessoas estavam mortas. Segundo o coronel Roberto Penteado, comandante do policiamento da Baixada Fluminense desde então, a situação se encaminhava para a invasão do Bope. Ele reconhece que "a contribuição do pastor ajudou a resolver a crise". O evangélico entrou na Casa de Custódia por volta das 17h. Antes das 22h, os presos se renderam.

O pastor não se cansa de falar do seu dia de glória:

- Quando chegamos, várias pessoas estavam amarradas em botijões de gás ou com facas no pescoço. Já fui gritando: "Vamos acabar com essa palhaçada. Vocês não querem morrer, então também não vão matar mais ninguém." Quando conseguimos recolher as armas, botei todo mundo sentado no pátio para louvar a Deus.